Degustação - A Princesa de Cuxe (Capítulo 1)

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Trata-se do primeiro capítulo de meu mais novo livro (julho/2016), "A Princesa de Cuxe". Conta a história de Iana Urbi, filha dos reis da Núbia, que viaja para a capital do Egito no ano 23 do Faraó Ramsés II como uma tradição familiar. Lá, muitas coisas irão acontecer, como conspirações, traições, e um belo hebreu que vem para libertar seu povo do Egito e acaba também arrebatando o coração da princesa.

Há o prólogo antes disso. Então, se você ainda não leu, CLIQUE AQUI.

Tenha uma boa leitura!

***

A Princesa de Cuxe
Capítulo 1




Jardins do Palácio de Kerma, Núbia
Ano 26 do Rei Zaki I - Reino de Cuxe
Ano 23 do Senhor das Duas Terras, Ramsés II
Estação Chemu, Primeiro Dia da Colheita



Mergulhou novamente na piscina. A água estava fria, apesar do calor, e Iana sentiu todo o seu corpo ser envolvido pelo frescor que ela lhe proporcionava. Nadou até a outra extremidade, onde havia uma escada. Seus cabelos crespos, completamente molhados, esticavam-se até o meio das costas enquanto ela galgava os degraus, e a água escorria por sua pele nua, brilhando ao sol da manhã.

De não tão longe, escondido atrás das palmeiras que circundavam e protegiam a área da piscina, Menik observava a princesa caminhar pelo jardim até a área de descanso, à sombra de sicômoros, onde uma serva a aguardava para enxugá-la e vesti-la. Sem dúvidas, era a mulher mais bela que tinha visto. Espiá-la, assim, em seu momento de descanso na área privativa dos reis, era extremamente perigoso. Caso fosse pego, seria morto, ele sabia. Mas simplesmente não conseguia desgrudar os olhos do corpo da bela moça, que até bem pouco tempo atrás era apenas uma criança. Iana Urbi desabrochara como uma flor de lótus, e em seus quinze anos de idade, era a mais bela mulher de toda a Núbia, não tinha dúvidas.

Continuar seria arriscar por demasia seu pescoço. Retirou-se rapidamente para seus afazeres no palácio, e não chegou a ver quando a serva da princesa ajudou-a a colocar uma fina túnica de linho, tecida pelas mais habilidosas escravas tecelãs de Tebas.

— Seu banho no quarto já está sendo preparado, Senhora —, disse a serva.

— Obrigada, Kenia — disse Iana, sentando-se num comprido banco de madeira trabalhada, coberto com almofadas macias e peles de leopardo. Em seu encosto, o formato de uma cabeça de leão, e as pernas do banco esculpidas como as patas do felino. — Sirva-me um pouco de vinho. Quero aproveitar um pouco mais o desjejum e esta manhã.

— Claro, minha senhora! — Kenia tomou uma jarra de ouro e derramou vinho de tâmaras na taça da princesa, uma taça de prata cravejada de rubis, e com entalhes de leopardos, leões e da deusa Bastet.

Iana, esticando as pernas no banco e recostando-se, tomou um gole do vinho, suspirou e observou o jardim que seu pai, o Rei Zaki, havia construído para ela por ocasião de seu décimo aniversário, há exatamente cinco anos. Uma piscina retangular, cujas águas estavam repletas de flores de lótus e alguns peixes; ao seu redor várias plantas com diversas espécies de lírios. No segundo nível, muitas palmeiras para proteger seu banho dos olhares de outrem; no terceiro nível, árvores frutíferas e, por fim, no quarto nível, um pequeno pátio com uma área de descanso, onde ela se encontrava com sua serva, e mais um retângulo cercando toda a área, com sicômoros e figueiras, árvores sombreiras. Protegendo toda esta área havia um outro retângulo, feito de tijolos de barro. A parede atrás de si era uma das paredes do palácio, e estava coberta com uma parreira e suas folhas; à sua esquerda, mais uma parede, com uma saída que dava diretamente nos aposentos da princesa. À sua frente, após a piscina e os arbustos e árvores que a protegiam, também havia uma parede com uma saída, que dava para os aposentos da rainha – embora ela raramente a usasse. E ao seu lado direito, arbustos e árvores frondosas protegiam o jardim dos olhares de curiosos; e, sem que Iana Urbi soubesse, havia sido exatamente por ali que Menik a havia visto, escondido entre as plantas, e depois se retirado.

Lembrou-se dos momentos em que aproveitara bastante aquele local, onde se divertira com irmãos, familiares e amigos, filhos de nobres cuxitas, sabendo que sentiria falta do que fora seu refúgio por aqueles últimos anos. Saboreou algumas frutas produzidas na própria Núbia, e outras trazidas por mercadores egípcios e além Mar Vermelho, e distraiu-se com um íbis branco, dando um voo rasante e pousando à beira da piscina. Aquilo só podia ser um sinal de bom presságio, visto que a ave era sagrada.

Não viu a hora passar. Iana ficou perdida em momentos de sua infância e, ao mesmo tempo, ansiosa sem saber o que esperar do futuro. Crescera sabendo de suas responsabilidades como nobre, como filha de um rei que, apesar de não governar de forma absoluta e ser subordinado ao Faraó, Senhor das Duas Terras, tinha poder sobre o povo cuxita que formava o reino da Alta e Baixa Núbia. Agora, era chegado o momento de instruir-se e receber a educação diretamente de nobres e eunucos em Avaris, a cidade de Ramsés. Apesar de ser uma grande mudança em sua vida, Iana estava ao mesmo tempo amedrontada e confiante, assustada com o futuro e ansiosa para começar.

Mas observar aquele pedacinho de seu mundo em que saltara, rira, participara de festas, brincara, se divertira durante cinco anos, um lugar onde sabia estar segura, deixou-a saudosa de outros momentos, mais antigos, no jardim de sua mãe, com as outras crianças do palácio, filhas das outras esposas de seu pai e das mulheres do harém, bem como de filhas e filhos de nobres que vinham para aprender conhecimentos iniciais sobre a cultura cuxita. Sentia saudades daquele tempo.

Perdida nesses pensamentos, nem ouviu que a chamavam.

— Iana, querida, em que pensas?

— Mamãe!

Iana levantou-se para abraçar a rainha, que estava de pé, ali, majestosa, acompanhada de sua dama.

— Veio visitar-me em meu jardim! Há quanto tempo não vem aqui? Eu estava perdida em meus pensamentos da infância.

Zarina sorriu e acompanhou sua filha até o banco, sentando-se lado a lado com ela.

— Lembranças doces, eu suponho.

— Claro. Eu vou sentir muitas saudades daqui.

Zarina acariciou os cabelos molhados da filha, que encaracolavam à medida que o vento o secava. Dali a pouco estariam novamente armados, como uma bela coroa emoldurando o rosto tão jovem da princesa.

— Você logo voltará, minha filha, e ajudará seu irmão Aksumai durante seu reinado quando eu não estiver mais aqui.

— Espero não precisar fazer isso, mamãe, e que você sempre esteja ao lado de Aksumai e de sua esposa. Mas também espero que, quando Bastet e Anúbis abraçarem sua alma e a levarem para o Outro Mundo, eu possa substituí-la de modo satisfatório para o Reino da Núbia. Quero ser um orgulho para todos os Cuxitas.

Zarina sorriu.

— Tenho certeza de que assim será, minha filha. Você é a Bela Flor dos Reis, e será uma grande mulher para a Núbia. Mas não se esqueça de você. Você também se casará com um homem valoroso, e lhe dará descendentes, e encherá a casa de Zaki com alegria e amor.

— Mãe, tenho medo.

A rainha acariciou o rosto da filha, observando seus traços suaves, sua pele escura e uniforme, seus dentes brancos como marfim e seus olhos brilhantes como as pedras preciosas mais raras. A maneira de olhar da filha era própria da realeza, transmitia segurança e, ao mesmo tempo, suavidade e amor. “Sem dúvida”, pensou Zarina, “Iana daria uma bela rainha.”

— Ser corajoso não é não ter medo; mas, sim, enfrentar este medo. Seus irmãos, grandes guerreiros, lutaram nas guerras contra os hititas ao lado do Senhor das Duas Terras, e foram vitoriosos. Mas não significa que não sentiram medo. Eles tiveram coragem para enfrentar o medo dentro de si mesmos antes de enfrentarem os seus inimigos. O problema está em não se enfrentar os próprios medos. Se assim for, jamais sairemos de nossos lugares. E você, minha filha, tenho certeza de que é uma mulher muito corajosa.

Iana sorriu e abraçou a mãe, perguntando-se se realmente seria uma mulher corajosa e se não decepcionaria sua família.

***



Onde ele estava com a cabeça? Menik se perguntou durante toda a manhã. Quase fora pego. Assim que deixou o Jardim da Princesa e entrou no palácio pela entrada dos empregados, Aksumai, o primogênito do Rei Zaki, o viu e o chamou.

— Onde estava, Menik? Eu estava à sua procura há algum tempo. Mandei dois escravos procurarem por você, mas não o encontraram.

Menik curvou-se ao príncipe, nervoso.

— Perdoe-me, meu senhor! Eu havia me retirado da cidade ao nascer do sol para ver os preparativos da Festa da Colheita e verificar as torres de vigilância. Não sabia que o Príncipe estaria à minha procura.

— Está bem. Venha, o Rei convocou uma última reunião antes do cortejo.

Menik curvou-se mais uma vez e seguiu o príncipe. Apesar de ser um general do exército núbio, um dos exércitos com os soldados mais fortes e mais requisitados pelo Faraó, ele não se sentia bem naquela posição. Um general, por mais importante que fosse, não tinha autorização para se casar com uma princesa. Ele não era um nobre, apesar da posição e da proximidade com a família do rei. Provavelmente, a princesa Iana Urbi seria prometida a um primo, filho de príncipes da própria família. Ou ainda, poderia ser enviada a um templo para aprender junto aos sacerdotes e tornar-se uma sacerdotisa, a esposa de algum deus, e não se casar com ninguém.

Agora, seus pensamentos estavam envoltos em saber que chegara o dia. Aquele era o dia em que Iana faria 15 anos. Após a Festa da Colheita e o banquete de aniversário, ela faria a viagem até Avaris para aprender com os nobres tudo o que precisava sobre a história do Egito, a escrita, bem como a tocar alguns instrumentos e danças rituais para apaziguar os deuses e manter o clima de harmonia no reino. Tudo o que uma princesa precisava saber. E esta ausência o estava matando, antes mesmo de acontecer.

***



Iana seguiu para seus aposentos, acompanhada de Kenia, sua serva, que retirou sua túnica, deixando-a novamente nua. Ela entrou na imensa tina de banho, repleta de pétalas de flores e ervas aromáticas. O suabu, um sabão pastoso de gordura, giz e óleos aromáticos, foi usado em seu banho. Seu corpo foi massageado com uma pomada de mirra para manter a pele suave e perfumada.

Após ser lavada, massageada e vestida, Iana recebeu suas joias de ouro e pedras preciosas. Kenia fez duas tranças de cada lado das têmporas da princesa, prendendo-as atrás e deixando seus cabelos seguros no alto da cabeça, como uma coroa. Enfeitou-os com cordões de ouro e pedras de safira e lápis-lazúli. Recebeu o creme de malaquita, na coloração verde, nas pálpebras, e seus olhos foram alongados com o Kohl escuro, à moda egípcia.

Seus pés receberam sandálias de couro, e sua túnica haik foi drapeada por Kenia na altura abaixo dos seios, e o nó foi escondido com um cinto largo feito de linho e pedrarias, costurado com fios de ouro. No pescoço, um amuleto da deusa Bastet e do deus Khepri, com a representação de um gato e um escaravelho, respectivamente, foi pendurado.

Por fim, recebeu o kalasiris, uma espécie de capa comprida totalmente transparente e fina, que arrastava no chão, e era presa ao pescoço através de um colar de pedras. Ela o usava somente em dias de festa, e aquele era, definitivamente, um dia importante. O primeiro dia da colheita e seu aniversário de quinze anos.

— Está pronta, minha senhora.

Um espelho de ouro polido lhe foi trazido e ela observou seu reflexo.

— Está linda!

— Obrigada, Kenia.

Respirou fundo. Era chegado o momento de comparecer ao cortejo em comemoração à chegada do tempo da colheita e da primavera. Era seu décimo quinto cortejo, e isto significava que faltava apenas uma semana para sua longa viagem. A viagem que mudaria para sempre o curso de sua vida.


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