Espelho



Patrick apostava que aquela noite seria marcante em sua vida. Ele não fazia ideia do quanto o seria; mas não do jeito que ele imaginava.

Fechou a porta da frente de sua casa, após dar passagem para a garota mais bonita que já tinha visto: Mandy. Mal ela entrou já foi engolida pela multidão de adolescentes que se apinhavam aqui e ali, bebendo em todos os cantos, surgidas como num formigueiro após o anúncio na escola sobre a festa que daria.

Terror.

Seus colegas do ensino médio diziam que não havia nada mais eficaz para fazer uma garota pular no colo de um cara além do medo. Por isso levavam as garotas para verem filmes assustadores no cinema. Patrick resolveu embarcar na história e aproveitou a viagem de seus pais, que duraria todo o fim de semana, para fazer aquela festa.

Seu objetivo era que Mandy estivesse presente. E ela viera. Aquilo definitivamente o deixara empolgado e confiante. Só precisava que seu plano desse certo. Olhou seu reflexo no espelho antigo deixado ao lado na porta de entrada. Notou que havia uma mancha escura no lado direito da moldura, na parte mais alta do espelho. Esfregou com um dedo, mas não saiu.

"Estranho... lembro de ter limpado essa droga antes de descer com ela pra cá..."

Na verdade, aquele espelho havia sido um achado. Encontrara-o coberto e virado para a parede no porão da casa, onde o pai costumava guardar ferramentas e a mãe guardava caixas com coisas velhas. Achava que já estava lá quando se mudaram para o casarão. Quando o viu pela primeira vez, sentiu um calafrio e pensou que ele era assustador. Agora, olhando-o limpo e de pé na entrada da casa, parecia ser um espelho simples, como outro qualquer, e muito, muito velho.

A moldura era toda trabalhada em madeira maciça, e tinha uma profusão de figuras estranhas esculpidas nela. E o vidro estava em ótimo estado, mesmo sabendo que aquilo devia ser mais antigo que sua avó.

Lambeu o dedo polegar e esfregou-o na mancha, tentando tirá-la, mas nada mudou. Era como se fizesse parte da moldura, embora ele soubesse que não estivesse ali antes. Deu de ombros, imaginou que apenas não tivesse olhado direito.

***


Patrick estava desconcertado. Diante dele, a esquisita esperava para entrar. Tinha certeza de que ela não havia sido convidada! Por que ela viria à sua festa? Olhou para os lados, coçou a cabeça, não sabia o que dizer. Por isso, simplesmente se afastou e permitiu sua entrada. A garota olhou para o tapete e suspirou, entrando com o pé direito em sua casa.

Observou quando ela parou diante da enorme peça de antiquário, no hall de entrada. Aquele espelho certamente chamava atenção, mas com a esquisita diante dele, olhando-o, examinando-o, era muito mais chamativo. Talvez a presença dela fosse até interessante, dadas as circunstâncias do tema da festa.

"Mas isso é terrível!"

A voz da garota era quase inaudível por causa do barulho da casa, mas Patrick conseguiu ouvir. Ela examinava um entalhe entre as várias imagens estranhas daquela moldura. Parecia um círculo com alguns símbolos dentro. Não sabia se a menina havia reconhecido o símbolo, mas ela estava visivelmente assustada.

"O que é isso?" Patrick perguntou, notando a figura somente naquele momento.

"É um sigilo." Foi a única coisa que a garota disse, sem explicações. Como se Patrick soubesse o que é um sigilo.

Ela olhava em volta e observava a casa cheia de adolescentes fúteis, seus colegas populares na escola. Estavam todos em perigo, precisava avisá-los. Ainda deu um passo em direção à sala e parou no meio do caminho. Quem acreditaria numa garota esquisita como ela?

Olhou novamente para o símbolo escondido no meio da moldura esculpida, e notou uma estranha mancha escura próximo a ele.

"Eu não lembrava de ter essa mancha aí", Patrick falou. "Eu limpei esse troço ontem à noite, quando achei no porão. Pensei que estava tudo limpo... mas acho que deixei passar."

Ela não respondeu. Mas olhava firme para a mancha. Em seguida, viu quando ela marchou para a cozinha, sem falar nem olhar para ninguém. Menina esquisita.

***



Patrick assistiu Alice Warren cruzar a sala de cabeça baixa, indo provavelmente procurar alguma bebida. Não sabia porque ela tinha vindo, mas ficou sem jeito de expulsá-la. Bem, até que a presença dela não era tão problema assim. Planejara uma noite do terror em sua casa, e aquela garota era bem assustadora. Talvez, após as histórias as pessoas que cruzassem com ela em algum cômodo ficassem bem assustadas com seus olhos profundos e inquisidores.

Suspirou.

Alguns amigos dançavam e bebiam, enquanto ele estava procurando por Mandy. A vira entrar, mas não sabia mais onde ela havia ido. Olhou o relógio da sala. Outra antiguidade que faria parte de seu plano. Faltavam cinco minutos para a meia-noite, quando o relógio soaria e ele desligaria o som. E então, a coisa toda do terror teria que funcionar. Os quartos no andar superior já estavam ocupados com casais, mas ele separara um lugar especial para ele e a morena mais linda da escola. Só precisava deixá-la bem assustada e fazê-la se abrigar a ele. Tudo de brincadeira.

Patrick sabia que as garotas fingiam sentir medo para terem uma desculpa para pularem nos braços dos garotos sem parecerem vadias. Se era assim que elas queriam jogar aquele jogo, que fosse. Foi para perto do aparelho de som e vigiou o ponteiro do relógio, que cadenciadamente se aproximava de seu objetivo.

***



As doze badaladas soaram. Um casal saiu da cozinha e apontava para lá. Patrick olhou confuso, vendo que a esquisita fuçava as coisas da sua mãe, procurando algo. Ela parecia correr contra o tempo, parecia saber o que estava por vir, e não estava de brincadeira. Viu quando ela colocou sobre a mesa uma garrafa de água da geladeira, uma garrafa de azeite e o pote de sal. Não sabia o que ela queria, mas as badaladas terminaram e estava na hora.

Olhou para o papel que havia tirado do bolso, com as frases copiadas da internet. Não acreditava naquilo, mas era só para dar uma aura mais assustadora para o que havia preparado. Olhou para Jack do outro lado da sala, preparado. Haviam trazido o espelho para a sala, e todos aguardavam o que viria a seguir; enquanto isso, Jack apagava a luz e ia para o lado do aparelho de som, pronto para liberar o que haviam gravado no dia anterior.

Agora, era só ler a invocação, depois Jack soltaria a gravação da resposta e dos sons estranhos que prepararam. E então, era só estar por perto de Mandy quando ela sentisse medo, e oferecer-se para cuidar dela no cômodo que havia preparado. Jack apagou a luz e foi para seu lado.

Começou a ler. As palavras foram saindo de forma fluida, mesmo sem tê-las decorado, e sua voz parecia ter sido amplificada de algum modo pela casa. Olhou para seus colegas e pareciam terrificados diante daquela invocação, e ele sentiu um calafrio. Imaginou que estivesse com uma predisposição para aquilo.

Seus olhos encontraram o da menina esquisita do outro lado da sala. Ela mantinha os olhos frios, mas sua boca parecia balbuciar algo como "Não faça isso". Ele já tinha feito.

Jack, como programado, apertou o botão de "play" e a voz de Patrick modificada digitalmente ganhou as caixas de som.

"Eu sou Sitri, o Príncipe dos Espíritos Eróticos, e despejo em todos vós uma onda de terror indescritível caso tentem lutar contra o desejo incontido que lhes acometerá... agora."

Patrick percebeu que alguns sorriram, e os semblantes tensos aliviaram-se. A gravação chiou e, de repente, um vento estranho vindo de lugar nenhum preencheu a sala. A voz continuou.

"Quem ousa invocar um Príncipe do Inferno?"

A voz ribombou nos ouvidos de todos e a tensão voltou triplicada. Uma garota pulou no colo de outro garoto, e Patrick teria rido se não estivesse tão assustado. Olhou para Jack.

"Eu não gravei isso."

"Mas é a sua voz, tenho certeza!" Jack olhou para o aparelho de som e apertou a tecla "stop", mas o som continuou. A voz soltou uma risada.

Jack puxou a tomada, mas a risada continuou, até virar uma voz feminina, primeiramente rindo e depois gemendo.

"Olhe..."

Patrick olhou na direção apontada por seu amigo e viu o reflexo dos seus amigos no espelho sumir e o vidro ficar escuro. Os sons de uma mulher gemendo sexualmente continuaram, mas Patrick via que seus amigos não estavam nenhum pouco propensos ao sexo. As coisas estavam muito diferentes do que ele havia planejado.

***



Em poucos segundos, todos assistiram a invocação de Patrick e a resposta imediata. O espelho se apagou e, no segundo seguinte, uma mulher nua e exuberante apareceu do outro lado. Ela se tocava em suas partes íntimas e gemia e sorria. Seus lábios vermelhos se abriram e sua voz feminina reverberou.

"Aproxime-se."

Ela estendia as mãos até tocarem o vidro, e olhava diretamente para um ponto entre os jovens. Uma das garotas ficou de pé. Alice assistiu atormentada enquanto a moça tirava as roupas enquanto se aproximava do espelho, ficando completamente nua.

Patrick olhou abismado. Era Mandy, caminhando para a coisa, nua. Ela se encaminhava até chegar muito próximo ao vidro, e viu quando as mãos da criatura começavam a sair dele, como se fosse feito de gelatina.

E então, o impensável aconteceu.

A esquisita jogou algo no corpo de Mandy, e ela gritou, sentindo sua pele queimar. Palavras desconhecidas saíram de sua boca, e ela ficou quieta.

Jack viu quando Alice virou-se para o espelho. Um grito espectral encheu o ambiente e os vidros de todas as janelas da casa se espatifaram. Os garotos correram para as portas fugindo, apenas Alice e Mandy permaneceram no centro da sala, assistidas por Jack e Patrick assustados.

"Uma Warren presente aqui?" falou o demônio do espelho.

Alice pegou a garrafa onde havia a mistura de água, sal e azeite bentos que jogara em Mandy, interrompendo o encantamento.

"Acha mesmo que poderá me exorcizar? Eu sou um dos Príncipes do Inferno, um dos setenta e dois demônios mais perigosos. E pelo que soube, você não tem o treinamento necessário."

Seus olhos acenderam em vermelho, e o espelho irradiou a luz iluminando todo o recinto de um espectro rubro e assustador. Jack escolheu este momento para sair de fininho, deixando o amigo sozinho. Ele parecia vidrado no que acontecia, sem acreditar na esquisita enfrentando a coisa.

"Eu fui treinada o suficiente."

Abriu a garrafa e jogou seu líquido sobre o espelho, e enquanto escorria, viu a mulher rir.

"Regna terrae, cantate deo, psállite dómino, tribuite virtute deo!"

O riso morreu ao ouvir as palavras ditas pela menina. Alice sorriu. "Eu decorei o mais importante."

"Você não teria decorado tudo."

"Você não sabe o que uma garota esquisita com problemas sociais pode fazer."

Jogou mais do líquido, enfurecendo Sitri, que correu para o vidro e começou a bater, tentando quebrá-lo de dentro para fora.

"Exorcizamus te, omnis immundus spiritus, ominis satanica potestas, ominis incurso infernalis adversarii, ominis legio, ominis congregatio et secta diabolica, in nomini et virtute Domini Nostri Jesu Christi, eradicare et effugare a Dei Ecclesia, ab animabus ad imaginem Dei conditis ac pretioso divini Agni sanguini redemptis!"

O grito foi terrível, e Mandy moveu-se, tapando os ouvidos em agonia. Alice continuou recitando o ritual de exorcismo, jogando o líquido bento no vidro, vendo Sitri desfigurar-se.

Um terremoto sobrenatural abalou a casa, desequilibrando todos os presentes. Alice fez o máximo para manter-se de pé e não fraquejar diante do demônio de casta tão perigosa. Perguntou-se se conseguiria exorcizá-lo, mas percebeu que precisava ter força. Os grimórios de sua família indicavam que esses seres se alimentavam do medo, e a primeira coisa que precisavam fazer era não sentir medo.

Num último ataque, jogou a garrafa no espelho, quebrando-a em vários pedaços, e quebrando também o espelho. Uma fumaça vermelha e preta saiu de dentro da moldura, tomando forma de um corpo feminino diante de Alice. Ela não parou e continuou a recitar o exorcismo até o fim.

Um grito agudo se ouviu e a fumaça subiu ao teto, formando um redemoinho, até penetrar o chão com força, deixando uma marca.

Exaurida, Alice caiu no chão.

***


Patrick correu até Mandy e ajudou-a a catar suas roupas e sair dali. Alice se levantou devagar, olhando em torno. Pegou uma faca na cozinha e fez dois talhos, cortando o símbolo na moldura.

"Vem, vamos", chamou Patrick na porta da sala. "Precisamos queimar isto."

Um grupo de garotos que ainda estava nos jardins, sem coragem para entrar e curiosos demais para ir embora, seguiu a garota esquisita, e carregaram a moldura gigante até o quintal. Alice sacou do bolso um isqueiro prateado, com a marca dos Warren, e acendeu uma pira em torno da moldura, que pegou fogo rapidamente, embebida em óleo sacramentado.

"O que você é?" perguntou Patrick.

Alice percebeu que não somente ele, mas todos os garotos que estavam ali olhavam realmente para ela, não com desprezo, mas admiração.

"Meu nome é Alice Warren, sou de uma longa linhagem de caçadores de seres sobrenaturais. Durante séculos éramos temidos. Em nosso tempo, apenas meus avós tiveram seus nomes conhecidos."

Patrick franziu o cenho.

"Seus... avós?"

"Ed e Lorraine Warren."

Jack se aproximou. "Você é neta dos lendários caçadores de demônios?"

Ela assentiu, já imaginando que teria novamente de mudar de escola.

"Maneiro!" exclamou um rapaz. Outro também se aproximou. Algumas garotas perceberam a movimentação e a fogueira e vieram ver, presenciando a comoção. Muitos se abraçaram, algumas meninas choravam, e quando Patrick procurou, Alice não estava mais lá.

Olhou em volta. A casa estava um caos, não sabia se conseguiria consertar tudo antes que seus pais voltassem. Percebeu que não.

Longe dali, Alice caminhava pelas ruas. Ninguém sabia, mas aquele tinha sido seu primeiro exorcismo. Durante anos havia negado a si mesmo seu legado, e só queria ter uma vida social. Mas sentira-se forte, destemida, e talvez se devesse à herança de sua família correndo por suas veias. Talvez se arrependesse, mas já havia tomado sua decisão.

Seria uma Warren.

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