Olhos da Meia-Noite - Capítulo Dois

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A noite caiu pesada como as cortinas do quarto. Milena desperta de seu sono como se ressuscitasse. Algumas velas já haviam sido acesas sem que ela percebesse e o quarto não estava todo às escuras. Milena olha para suas próprias mãos cruzadas no peito e se assusta um pouco. Levanta-se, se sentindo estranha. Seu corpo tinha mudado, mas não sabia exatamente o quê. Apenas um desejo povoava sua mente e todo o seu ser. Mas também não sabia de quê.

Desceu as escadas devagar. O lacaio apareceu de algum lugar do escuro.

— A senhora a espera na biblioteca.

Milena ainda tentou fazer alguma pergunta, mas o lacaio continuou seu caminho e saiu da sala. Apenas o cheiro dele continuou em suas narinas. Milena fecha os olhos e ouve um som. Aguça seus sentidos e percebe que há uma caneta rabiscando um papel. De olhos fechados, segue o som e o cheiro que sente da tinta. Era incrível como seus sentidos se aguçavam e podia distinguir facilmente sons e aromas. Caminhando, parou diante de uma porta. Ouviu passos se aproximando e a porta se abriu, mostrando Lady Anthonya.



— Olá, Milena. Entre.

Se afastou e Milena entrou no aposento, pouco iluminado por velas, com gigantescas estantes abarrotadas de livros, do chão ao teto. Uma escrivaninha antiga, com uma folha de papel bastante escrita e uma caneta tinteiro. Milena sentou-se em uma poltrona de couro em frente à escrivaninha.

— Como se sente?

Milena não sabia responder. Tão diferente, mas ao mesmo tempo, sentia-se como se tudo fosse natural.

— Me sinto estranha.

— Sim, sei como é. Isso é normal. Sabe, houve uma transformação em você. Milena... diga-me uma coisa... você se lembra do que lhe aconteceu ontem?

De repente, tudo o que aconteceu passa como um filme diante dos olhos de Milena. Os olhos cor de âmbar, seu namorado voando longe, a dor em seu pescoço. A luz, ao longe, em meio a escuridão e a leveza de seu ser. A dor e a agonia de sua alma ao voltar ao corpo, a fase traumática de seu abraço, sua morte.

— Acho que jamais poderei me esquecer.

— Aquela, foi sua morte. Você morreu para os humanos, para ser uma de nós.

— Eu já imaginei o que a senhora quis dizer com “uma de nós”.

— Somos vampiros, Milena. Somos cainitas.

— Cainitas?

— Somos descendentes de Caim.

Até aquele momento, vampiros eram apenas lendas e histórias que as pessoas contam para assustar as outras. Mas agora, Milena sentia que era um deles, e tudo fazia sentido.

— Caim, quando tirou a vida de Abel, foi castigado por Deus. Foi condenado a viver longe dos humanos. Recebeu uma marca, a marca dos vampiros. Viveria dos humanos, de seu sangue. Foi embora da casa de seus pais, os primeiros homo sapiens, e fundou uma cidade, chamada Nod.

— Isso é incrível!

— Casou-se com uma bruxa chamada Lilith, mãe de todos nós. Formou três vampiros, a segunda geração. Estes formaram treze vampiros, que são chamados de Antediluvianos, pois foram abraçados antes do dilúvio.

— Interessante...

— O próprio dilúvio foi um castigo de Deus, por causa da maldade dos filhos de Caim. Por causa disso, Caim se isolou, e nunca mais se teve notícias dele. Os treze, então, formaram suas próprias cidades e sua própria progênie. Estes deram origem a vários clãs. Esses clãs são nossa raça. Os vampiros são divididos nesses clãs, cada um com sua habilidade específica.

— É difícil de acreditar! Clãs, Caim, Lilith... caramba! Eu pensava que todos vinham do conde Drácula...

— Muitos pensam isto, mas Drácula não foi um de nós. Foi um homem cruel, é verdade. Mas apenas um empalador. Lutou na guerra e empalava suas vítimas. Protegia seu feudo na Romênia com mãos de ferro. Mas morreu em seu devido tempo. Não foi um de nós.

— Eu pensava que fosse tudo lenda... e nem mesmo o que eu sabia passa perto da verdade.

— É essa a ideia. Ninguém pode saber sobre nós. Ninguém.

— Me fale sobre os clãs...

— Na Camarilla, nossa seita, são sete. Existem os Brujah, que são rebeldes. Adoram se rebelar contra o que lhes for imposto, mas não são de todo ruim. Eles têm algumas habilidades, as quais você deve ter cuidado se encontrar um deles. São bastante rápidos, mais até que um piscar de olhos. São bastante fortes, você não imagina o quanto. E têm presença. Onde chegam, podem ser bem recebidos. Os Gangrel são solitários e nômades. São os fazendeiros, gostam de viver longe das cidades, são vampiros do campo. Possuem uma habilidade chamada Animalismo. Têm capacidade de dominar qualquer que seja o animal, e possuem Fortitude também. Sua força é realmente animalesca. Também têm capacidade de Metamorfose, podem se transformar em formas horrendas e animalescas. Os Malkavian são lunáticos. São bastante auspícios e podem tornar você demente por algum tempo. Podem andar em multidões e não serem vistos. Os Nosferatu são feras. Não respeitam muita coisa e adoram assustar humanos. Possuem o Animalismo e Potência. Também podem não ser notados em uma multidão. Os Toreador são especiais. São artistas, têm sensibilidade. Intelectuais e cultos, esses vampiros são bastante auspícios, têm presença e rapidez. Os Ventrue são os aristocratas e nobres, adoram estar no papel de líder. Têm preferência por sangue de virgens e rapazes loiros. Têm dominação, fortitude e presença. Por último, os Tremere. Somos nós. Você já sente alguns de seus dons. Você os herdou de mim, a partir de seu abraço. Somos auspícios. Temos dominação, podemos dominar qualquer vampiro, humano ou animal. E temos outra habilidade, que você aprenderá comigo como usá-la e como lapidá-la. Somos bruxos. Nossa habilidade principal chama-se Taumaturgia. Podemos usar esse dom e limitar os outros vampiros, podemos utilizá-los de forma tal que ninguém será mais forte que nós.

— Realmente... eu senti alguma coisa diferente... eu cheguei aqui usando meus sentidos, ouvi a senhora riscar o papel.

— E eu a senti chegar, pelo cheiro, pelo som... eu irei auxiliá-la a chegar onde cheguei, discipliná-la com seus poderes, moldá-la... mas há muita coisa que você precisa saber. Estes clãs fazem parte de uma seita, a Camarilla. Existem outras seitas... a mais importante delas é o Sabbat, com outros clãs vampíricos, mas você deve satisfações à Camarilla, obediência às seis tradições.

— Seis tradições?

— Exatamente. A mais importante delas, você jamais deve quebrar. É a Máscara. Jamais quebre a tradição da Máscara. Ela diz que ninguém, nenhum humano, em hipótese alguma deverá saber que você é um vampiro. Jamais. Nunca. Você poderá ser punida com o extermínio. Eu mesma farei isso. Minha última aprendiz traiu nossa confiança e foi exterminada com a luz do sol.

— Luz do sol?

— Sim. E essa é mais uma recomendação. Jamais deverá sair à luz do sol, pois ela age em nós como fogo. Nos transforma em cinzas. Há alguns feitiços capazes de neutralizar esse efeito, mas ainda é cedo por demais.

Lady Anthonya fica de pé.

— Você aprenderá tudo sobre nosso Livro das Sombras, e sobre o Livro de Nod, o livro mais antigo. O livro cainita. Terá tempo suficiente para lê-lo. Toda uma eternidade. Agora, você faz parte de nós. Eu sou sua senhora, responsável por você. Você é uma Criança da Noite, está sob minha tutela e meus cuidados. Em breve, você se tornará um Neófito. Eu tenho 1327 anos. Sou mais que uma Anciã, sou uma Matusalém do Clã Tremere. Represento nosso clã na Primigênie da Região de Recife. Você me acompanhará em algumas reuniões, mas não em todas. Conhecerá os principais anciãos daqui. Lembre-se: tenha cuidado. Imponha-se, e todos a respeitarão. Cuidado com os Malkavianos, eles são enxeridos. Gostam de se meter onde não são chamados.

— Como os reconhecerei?

— Pelo cheiro. Na primeira reunião, os apresentarei para você. Todos de um mesmo clã têm o mesmo cheiro. Você os reconhecerá facilmente. Conhecerá a todos por sua vez. Prepare-se para entrar no Dark World, o Mundo das Trevas.


***




Milena não sabia explicar o que sentia. Um aperto por dentro, uma ansiedade, agonia. Seus olhos ficaram ainda mais brilhantes dentro do quarto escuro. Não queria velas. Não queria luz. Somente a escuridão. Seus caninos haviam crescido pela primeira vez. Não sabia como isso acontecia, mas sentiu dor. Uma dor rápida e fina. Com o tempo, acostumaria. E tempo, Milena já sabia que lhe sobrava, até demais. Não gritava. Urrava. Subia, literalmente, pelas paredes. Chegava ao teto e se jogava, caía de pé no chão, para começar tudo outra vez. Uma agonia que não tinha explicação, até Lady Anthonya chegar.

Lady Anthonya não disse uma palavra. Apenas assistia a cena, com seus olhos dourados, brilhando na escuridão. Percebia claramente a dor e a agonia de Milena. Sentira isso quando fora transformada, sentia isso até hoje. Mas Milena não sabia o que estava acontecendo. Precisava avisá-la. Ergueu-se no ar e segurou Milena no exato momento em que ela caía do teto. Com voz rude e modificada, gritou:

— Pare!

Ante a voz de trovão da senhora, Milena acalmou-se, mas a agonia corroía seu interior.

— Você está sentindo na pele e na mente o que irá sentir por muito tempo. Essa é a Fome.

— Mas não sinto vontade de comer... eu nem sei o que quero... um desejo imenso...

— Você precisa de sangue. Sangue humano, fresco, quente. Já.

Milena grita. Seu corpo se contorce em convulsões fortíssimas. Não conseguia nem pensar. Lady Anthonya bate palmas e, quase imediatamente, o lacaio surge na porta do quarto.

— Pois não, senhora.

— Traga um de meu rebanho. Por favor.

— Sim senhora.

O lacaio sai e deixa Milena e Lady Anthonya no quarto. Volta em seguida, quase arrastando o que seria uma mulher. Baixa, magra, cabelos emaranhados tingidos de loiro. Os olhos grogues observam a escuridão, não enxerga nada. A garota já estava acostumada com isso. As mordidas em seu corpo tinham muito o que contar.

Milena, com seus olhos brilhantes, aguçadamente vê o lacaio chegar com a loira. Num impulso incontrolável, voa até ela e a morde. Suga o puro sangue, vermelho, quente, vivo! Milena não consegue descrever a sensação de matar a Fome. Sente-se rejuvenescer, e até corar. A garota não se debate, não luta, simplesmente espera a morte chegar, passivamente. Milena sente que a vida dela está se esvaindo, mas não consegue parar. É muito mais forte. Sugou, até que não houvesse mais suspiro na garota, e deixou de lado seu corpo inerte.

Lady Anthonya assiste a tudo, seu rosto duro, sem expressão. Mas por dentro, não sabia se aprovava ou não a atitude de Milena, ou dela própria. Naquele momento, Milena deixou-se dominar pelo seu lado animal, não podendo controlar-se. Mas Lady Anthonya sabia muito bem a sensação da Fome, e começava a senti-la naquele momento.

Ainda assim, Milena precisava se controlar.

— Milena, tem mais uma coisa que precisa saber.

O sangue nos lábios de Milena é totalmente absorvido pela sua pele, que fica completamente seca.

— O quê?

— Somos animais. Mortos. Foi nos tirado o direito de conhecer o Paraíso e estamos condenados a viver eternamente neste mundo. Mas nem tudo está perdido. Podemos adquirir humanidade e morrer, passarmos para o Caminho da Vida. Para isso, precisamos controlar nossa Fome. É ela quem nos faz diferentes dos humanos. É ela quem nos tira o Paraíso. Se a controlarmos, se conseguirmos superar isso, poderemos conhecer Aquele que expurgou Caim de sua terra pelo seu assassinato. Estaremos livres desse jugo e morreremos para a verdadeira vida.

— A Fome é forte demais...

— Eu sei, eu a conheço de perto, mas precisamos controlá-la. Precisamos. Se quisermos ver o Paraíso que nos foi tirado, precisamos.

— E isso demora?

Lady Anthonya olha para Milena e hesita por um instante.

— Estou na espera há mais de mil anos.

Lady Anthonya se retira do quarto, deixando com ar perplexo sua aprendiz. O lacaio arrasta o corpo sem vida da garota para fora do quarto e Milena se vê sozinha, nas sombras.


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2 comentários:

  1. Bom dia.A White Wolf sabe que você está usando as ideias de seus livros nesses escritos?Ou são "fanfincs"?Você não consegue,coo escritora,inventar teu próprio mundo,usar tuas próprias ideias-sem clichês,de preferência?Há pelo menos agradecimentos aos responsáveis(os VERDEDEIROS AUTORES DAS IDEIAS AQUI USADAS)do RPG Vampiro:a Máscara?

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    1. Em primeiro lugar, Claudio, gostaria de agradecer por ter dispensado seu tempo em vir até aqui. Em segundo lugar, não ganho dinheiro com esta história, é apenas um gênero chamado "fanfic", muito difundido pela web, e não vejo ninguém cobrar direitos autorais de fanfics. Em terceiro lugar, os créditos estão no capítulo um, e não possuo direito algum sobre a obra original, apenas cito o universo. Em quarto lugar, apenas para completar, sim, eu sei criar meu próprio universo, e ele está à venda, nos livros que escrevi, e não os publiquei online. Há outras histórias no blog, cujos universos foram criados por mim. Obrigada pela atenção.

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