A Dríade do Mar - Capítulo Três

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Era alta. Mais alta que eu, até. Eu tinha um metro e noventa, segundo me consta. Ela era mais alta que eu. Sim, ela. Uma mulher, ou o que eu poderia imaginar. Vestia um microvestido de um tipo de tecido verde escuro, que não pude identificar o material no momento, mas que parecia ser bem resistente. Suas pernas lisas ficavam à mostra, e sua pele era alva, assim como os demais de sua espécie. Seus braços eram fortes, e seu corpo também não tinha pelos. Seus olhos eram verdes, mas de uma tonalidade forte, quase irreal. Da mesma cor eram seus cabelos, que eram longos, chegando quase aos joelhos. E tinha um porte altivo, como uma realeza.

Eu realmente estava diante da realeza.

Ela se aproximou de mim. Eu já não aguentava tanto silêncio, desde que chegara à cidade. Absolutamente ninguém proferiu nenhum som. Todos os sons que me chegavam aos ouvidos tinham a ver com os sons do próprio mar e de seus animais marinhos. Nada além disso. Eu estava a ponto de enlouquecer.

Suspendi a respiração. Ela se aproximou mais e mais de mim, até que seu rosto ficasse a poucos centímetros do meu. Então, ela falou. Sim, ela falou algo em uma língua que eu não conhecia. Continuei em silêncio. Ela olhou para mim, unindo as sobrancelhas esverdeadas. Eu estava hipnotizado por aqueles olhos.



"Qual é o seu nome?" sua voz melodiosa pronunciou.

Fiquei estupefato. Ela falara minha língua e ainda perguntara-me meu nome. Demorei alguns segundos para responder.

"Charles. Charles Fletcher."

Ela deu-me as costas e começou a caminhar pela sala. "Charles Fletcher." e continuou caminhando. "Então, diga-me, senhor Fletcher, o que o senhor e sua equipe de mergulhadores estavam fazendo em nossas águas?"

"Ahn... como assim?" Fiquei confuso. Falar já era algo que eu não esperava daquelas criaturas. Muito menos que falassem minha língua, o que fazia incrivelmente bem. Daí a saber o que estávamos fazendo?

"Exatamente o que ouviu. O que o senhor e sua equipe estavam fazendo em nossas águas, senhor Fletcher?"

"Suas águas? Estas águas pertencem à costa Cubana, e, até onde me consta, tínhamos autorização de nossos governantes para explorar e pesquisar a área que pertence aos Estados Unidos, onde fica a base da marinha em Guantánamo."

Ela parou de andar e olhou para mim com desprezo. Então, se dirigiu até mim numa velocidade espantosa, empurrando-me até a parede oposta, segurando-me com mãos de ferro em meu pescoço. Apesar do rompante, sua voz se mantinha fria e calma.

"Estas águas, senhor Fletcher, não pertencem a vocês. Estamos aqui há séculos, antes mesmo que vocês sonhassem em possuir uma marinha, como chamam."

E me soltou, voltando a caminhar tranqüilamente pelo aposento. Eu tentei recuperar meu fôlego.

"Nunca soubemos de sua existência!"

Ela sorriu. Seu sorriso era quase musical, mas ainda assim havia uma ameaça por trás da melodia doce e suave de sua voz. 

"Sempre inventaram histórias a nosso respeito, senhor Fletcher. Todas as culturas e nações têm alguma lenda sobre nós. Nunca lhe passou pela cabeça que pudéssemos ser reais?" E continuou sorrindo, como se falasse a uma criança ingênua.

"Claro," continuou, "a maioria de suas histórias são infantis, ou mesmo românticas. Mas não é o nosso caso."

E caminhou novamente em minha direção, o que fez minha espinha congelar.

"Nossa espécie é muito mais forte e bem mais inteligente do que vocês imaginam. Muito mais perigosa e mais encantadora também. Não duvide. O que os gregos falavam sobre nós era verdade. Praias cobertas de ossos de marinheiros que tentavam nos encontrar e acabaram encantados por nós, se chocando contra os rochedos. Tudo isso era a mais pura realidade."

Ela parou diante de mim. Então, aproximou o rosto do meu e aspirou meu perfume - que aliás, eu cheirava a peixe e água salgada.

"As histórias sobre sereias que se alimentam de humanos também são verdade..."

Estremeci. Em resposta ela riu alto, como se tivesse contado uma piada.

"Não se preocupe, senhor Fletcher. Há centenas de anos não nos alimentamos de humanos. Apenas de peixes e algas. E também não tornamos ninguém prisioneiro, apenas cuidamos de nossa segurança." E virou-se para me encarar de frente. "Até hoje, pelo menos."

E o silêncio permaneceu entre nós. Ela estava séria, olhando-me de alto a baixo. Então, voltou a falar.

"A propósito, meu nome é Acidália. E eu sou a rainha dos Efidríades."


***



Alguns poucos dias se passaram. Ao menos, era o que eu imaginava, já que estava há muito sem ver a luz do sol. A comida era horrível. O peixe não podia ser cozido ou frito, e eu não aguentava comê-lo cru. As algas eram preparadas com algum tipo de mistura ácida e cítrica, mas não era de todo ruim.

Fui mantido esse tempo preso, num aposento no castelo da rainha Acidália. Tinha algo como que um colchão, feito de algas secas, e uma cadeira. Um efidríade vinha me trazer a comida e água, que não era salgada - e isso me deixou intrigado - e depois fechava a porta. A rainha não se dava ao trabalho de me ver e a ausência de sons me deixava novamente enlouquecido.

Já não mais tinha esperanças de voltar. Na certa, toda a tripulação do Kronus já teria me dado como morto. Fiquei então, em meu quarto, imaginando quando eles deram a notícia para minha família, o enterro simbólico, a missa de sétimo dia, as homenagens da marinha... comecei a me deprimir.

Até que um dia um efidríade veio, não para me trazer comida.

Abriu a porta e ficou esperando.

"O quê? Você quer que eu vá com você?"

Ele não respondeu. Apenas fez que sim com a cabeça. Bem, entender minha língua ele entendia. Talvez não quisesse simplesmente falar comigo. Me levantei e saí do quarto, feliz por ver outras pessoas, ou outras criaturas.

Segui o jovem, descendo as escadas até o que eu chamava de sala. Então, ele me conduziu até outra sala, bem maior, onde havia uma enorme mesa. Acidália estava lá, sentada à cabeceira, e outros efidríades, cada um mais belo que o outro, também estavam sentados.

"Olá, Senhor Fletcher. Tenha um bom dia." disse a rainha. Apenas fiz um sinal com a cabeça e esperei.

"O chamei aqui pois você de agora em diante terá uma função nesta casa. Você trabalhará aqui para mim, me servindo como meu escravo. Comece agora mesmo, pela cozinha. Este," disse ela apontando para o jovem que me trouxe "é Tarsílio, meu servo mais fiel, meu guarda pessoal. Ele irá acompanhá-lo e mostrá-lo seus afazeres."

Mas meus olhos estavam grudados numa figura hipnotizante, sentada ao lado da rainha. Ainda mais bela que todos os demais, mais bela que a própria rainha. Ela era uma jovem moça, dos cabelos e olhos róseos e pele alva. E também olhava para mim.

Acompanhando meu olhar, Acidália percebeu quem eu estava olhando.




"Esta é Thalassa, minha filha. A princesa dos Efidríades."

Eu continuava olhando para ela. A rainha continuou.

"E, sendo quem é, não deve ser olhada diretamente por um serviçal. Por favor, Tarsílio, acompanhe o Sr. Fletcher até a cozinha." E depois, falou algumas frases em outra língua que não entendi.

Fui conduzido para outro aposento, que eles chamavam de cozinha. Sem tirar da mente a imagem rósea da bela princesa.

Thalassa.


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