Angelus Domini



Era um dia comum, como vários outros. Saiu do trabalho pontualmente à uma da tarde, comprou seu almoço na lanchonete do Wilson e em seguida dirigiu-se à Lar Menino Jesus, onde trabalhava como voluntária. Terminou de comer no carro, e foi para a porta de entrada, uma pesada porta de madeira antiga, combinando com a arquitetura do prédio do final do século dezenove.


Cumprimentou a recepcionista e foi direto para a sala das histórias, onde se sentia num mundo totalmente alheio ao que vivia.

Não que sua vida fosse ruim. Ao contrário, era uma vida até boa, se comparada aos padrões de onde viera. Ela fora órfã, também naquele lugar, e desde que saiu, fez uma promessa à Virgem que jamais esqueceria suas origens, e que se ela conseguisse se estabelecer na vida, ajudaria sempre o orfanato.

Quando conseguiu seu primeiro emprego como assistente administrativo numa grande empresa, dividia seus horários com o Lar, e as crianças sempre aguardavam, tanto quanto ela, por aquele momento.

"Bom dia, crianças. Vejo que temos um garoto novo hoje!" Olhou para a freira na entrada. Ela sorriu e lhe apresentou o menino.

"Este é Natan. Veio de outro lar, transferido."

"Muito bem, Natan. Que bom que está aqui conosco."

Natan sorriu, e seus olhos azuis pareciam brilhar num tom royal que ela nunca tinha visto.

"Eu me chamo Maria do Rosário, e eu sou a guardiã do portal para o mundo mágico das histórias!"

As crianças bateram palmas, radiantes e ansiosas. Aquele definitivamente era a melhor hora do seu dia. E então começou a história.

No fim do dia, perto da entrada da noite, Rosário conversou com a Irmã Marta, freira responsável pelos trabalhos voluntários.

"Natan parece ter gostado muito de você. Até sorriu."

"Por que? Ele não costuma sorrir?"

"Parece que passou por muitos traumas em sua vida, e não consegue se encaixar em nenhum lugar. Já foi rejeitado por duas casas, e este é o terceiro orfanato dele. Ele tem apenas oito anos de idade."

"Nossa, Irmã. E o que podemos fazer por ele?"

"Bem, querida amiga, você já está fazendo. Está conquistando-o. Traga-o para fora, faça-o sair de sua carapaça. Deixe-o viver e sorrir."

Rosário já estava sorrindo ante essa possibilidade. Definitivamente, o menino também a conquistou.

***



Fernando estava à sua espera, à porta do Lar Menino Jesus, como sempre, e com um belo sorriso no rosto. Beijou-a nos lábios, e a abraçou.

"Demorou a sair hoje."

"Ah, querido, é que conversei um pouco com a Irmã Marta sobre um dos internos. Chegou ontem. O nome dele é Natan."

"Hum... e o que tem este garoto... Natan?"

"Bem. Parece que sofreu muitos traumas, coisas assim. Mas não vamos falar dele agora. Vamos?"

"Não. Vamos comer uma bela duma pizza, que estou com muita fome!"

Sorrindo, os dois saíram, e não perceberam que no alto do prédio, Natan os observava, de pé, diante de uma das janelas, com seus olhos fixos no casal e um ar sério no rosto.

***



Nos dias seguintes, a Irmã Marta percebeu que Natan cada vez mais se apegava a Rosário e parecia desabrochar, quase como uma criança normal perto dela. Se comunicava, participava das histórias, sorria, mas quando ela estava longe, voltava a ser uma criança taciturna, calada, sem querer estar perto das outras.

Foi quando ela fez a sugestão à voluntária.

"Adotá-lo? Mas eu..."

"Acho que seria muito bom para ele, e para você também. Você é uma moça sozinha, há tantos anos, Rosário. Merece ter mais uma pessoa em sua vida com quem dividir suas coisas, suas alegrias, e ter companhia. Para ele seria um salto e tanto! O que acha?"

"Mas, Irmã, eu tenho que pensar! Eu não sei se você sabe, mas já tem algumas semanas que estou me relacionando com uma pessoa. Eu sei que não devo atrelar minhas decisões pessoais a ele, mas é alguém que está comigo agora, e eu estou gostando muito disso. Além do mais, uma adoção requer muita reflexão antes. É uma decisão para uma vida. Se eu adotar um garoto ou tiver um filho, não é para abandonar depois. É para a vida toda."

A Irmã Marta sorriu, segurando as mãos de Rosário.

"Que bom que pensa assim, eu não esperava nada além disso, minha querida. Isso só comprova o coração bom e cristão que você tem. Pense com carinho nesta proposta. Quem sabe esta é uma oportunidade de Deus para você?"

Aquelas palavras ficaram na mente de Rosário, e poucos dias depois a papelada para a adoção estava rolando. Até que um dia, feliz da vida, Natan passou a ser chamado de seu filho.

Sorrindo, entrou em sua nova casa e Rosário lhe apresentou todos os cômodos e seu novo quarto. Os dois assistiram TV até tarde da noite, com muita pipoca, até Natan pegar no sono no sofá. Levou-o nos braços até seu novo quarto, onde ele dormiu até de manhã, para conhecer sua nova escola.

No meio da manhã uma ligação em seu celular.

"Como foi a primeira noite com seu novo filho?"

Rosário sorriu. "Maravilhosa. Precisávamos disso, Fernando. E já contei a ele sobre você. Então, não precisa se preocupar. Pode vir nos visitar quando quiser."

"Claro, claro. Quando?"

E marcaram para aquele fim de semana. Fernando trouxe fast food e refrigerante para todos, e um bom filme de comédia para os três assistirem. Parecia uma noite promissora em família maravilhosa, mas quando os dois se viram, algo aconteceu.

***



"Eu não quero esse homem aqui, mãe."

"Mas por quê? Qual o problema, Natan?"

Ele não respondeu, e foi para seu quarto. Definitivamente, a noite não ia nada bem. Ter um ataque de ciúmes ao meu namorado por parte do meu filho adotivo não era o que eu esperava para a nossa primeira noite.

"Desculpe..."

"Não se preocupe", disse Fernando. "Está tudo bem..." ele olhava para as escadas, onde Natan subira. Rosário olhou para lá e viu seu garoto com o olhar mais assustador que jamais vira antes. Nunca havia pensado que uma criança pudesse olhar para alguém assim. Fernando apertou os maxilares.

Quando Natan foi para o quarto, só então Fernando a encarou.

"Acho melhor você tomar cuidado. Esse garoto já é bem grandinho, e você mal o conhece."

Rosário sacudiu a cabeça. "Ele é só um garoto triste que passou por muitas coisas na vida."

Despediu-se de Fernando, e voltou para a sala, olhando o nada, sozinha. Foi quando tudo começou.

***

Estava quase dormindo no sofá, quando ouviu batidas no alto da escada.

"Natan... vá dormir, já passou da hora!"

As batidas continuavam, e Rosário resolveu dar um basta naquilo. Subiu as escadas e ouviu o barulho ainda mais forte, vindo do quarto do garoto. Correu. Outro barulho, pareciam as portas do armário batendo. Entrou e encontrou Natan acordado.

"Natan, pare de bater essas portas, já é tarde!"

Ele estava sentado no meio da cama, com os olhos voltados para o armário de portas fechadas.

"Não se preocupe, mamãe. Já vou dormir."

Rosário franziu o cenho e saiu do quarto. "Como ele foi para a cama tão depressa?" pensou ela.

Foi para a cozinha preparar algo para comer, quando ouviu novamente as batidas. "Natan!" Ouviu barulhos na escada, como se alguém descesse correndo. "Droga, ele não vai dormir nunca?" Olhou da cozinha na direção da escada vazia. "Natan?"

Silêncio.

Foi em direção à escada, devagar, sem fazer barulho. E não havia ninguém. Virou-se e quase derruba o garoto, que estava de pé, atrás dela, olhando-a com seus olhos profundos. "Droga, Natan! Você me assustou!"

Mas ele não parecia olhar para ela, e sim para algo atrás dela. Olhou para trás, mas não viu nada.

"Vá dormir, Natan, e pare com essas brincadeiras. Não tem graça nenhuma!"

Com raiva, foi até a cozinha, e se deparou com todas as gavetas e portas de todos os armários abertas. Em cima da mesa, todas as facas organizadas, da menor para a maior.

"Natan! Você mexeu nas minhas facas? Eu já falei pra não fazer isso..."

Ele estava no mesmo lugar que ela o deixou, sem se mover, e continuava olhando para um ponto à sua frente.

"Natan? Natan!" Mas o que estava acontecendo ali?

Estalou os dedos na frente do rosto do menino e ele apenas virou-se e dirigiu o olhar para ela.

"Temos de sair daqui."

"Por quê? Ora, Natan, vá dormir e pare de tentar me assustar..."

Ele a puxou para baixo, com uma força tão grande que a fez cair, no mesmo instante que as facas voavam na sua direção, passando direto para a janela do outro lado, o ponto para onde Natan estivera olhando antes.

"Mas o que..."

Ela estava aterrorizada e olhava para o menino. O olhar dele era duro como pedra, como jamais vira antes. Com ela ele sempre era doce, mas ali estava alguém que ela não conhecia. Lembrou-se das palavras de Fernando e desejou que tivesse pedido a ele para passar a noite ali.

O garoto ficou de pé. "Você está com medo de mim." Não foi uma pergunta, e não exigia uma resposta. Mas, como se respondesse, Rosário foi se afastando do garoto, ficando de pé, indo de costas de volta para a cozinha. Imaginou se havia sobrado alguma faca. Como o menino fizera isso?

Quanto mais se afastava, mais o garoto se aproximava, devagar. Andando em direção a ela, ele tinha o olhar fixo em seu rosto. "Por que você está fugindo? Você não me ama mais? Sou seu filho, lembra? Somos uma família agora."

Quando estava quase chegando à porta da cozinha, que dava para os fundos da casa, o menino levantou a mão direita, e uma das facas que havia voado na direção dela anteriormente voltava e parava em sua mão. Sem parar um segundo, ele a atira na direção dela.

O tempo pareceu congelar de tão rápido que tudo aconteceu. A porta da cozinha abriu-se atrás de si, e Fernando entrou, tirando-a do caminho e segurando a faca pelo cabo, no momento em que ela encosta a ponta na sua própria testa. Ele se abaixa e segura o braço dela, empurrando-a para fora da casa.

"Vamos embora!"

"Mas o que é você? O que são vocês?"

"Não há tempo para explicações agora! Anda!"

"Não vá com ele, Rosário!" gritou o garoto da cozinha, correndo agora em direção deles, que já saíam pela porta e corriam ao redor da casa, para sair no jardim.

"Não ouça o menino", disse Fernando. "Continue correndo. Ele não é o que parece."

"E você o que é?"

Ele olhou para ela, ainda puxando-a pelo braço. "Eu sou quem vai te salvar dele."

Empurrando-a, entraram no carro dele, e saíram em disparada pela rua.

"Aonde estamos indo?"

"Pro único lugar onde você estará segura."

"Onde?"

Ele não respondeu. Olhou para trás, e viu o garoto correr rapidamente, quase alcançando o carro, com o rosto determinado.

"Mas o que..."

"Eu disse. Ele não é o que parece."

Olhou novamente e não o viu mais. "Onde ele está? Onde ele está?"

Fernando tinha os maxilares apertados e sua boca formava uma linha dura. "Ok, se não vai me dizer o que está acontecendo aqui é melhor parar o carro."

"Aquele garoto quer matar você, e eu fui designado para te proteger."

"Tá certo. E por que ele iria me matar? E o que foi aquilo? Ele fez as facas voarem!"

"Na sua direção. E ele ia te matar, se eu não tivesse chegado a tempo."

"Quem é você?"

"Eu sou um anjo. Um anjo guardião."

***



"O que, o Lar Menino Jesus?" disse Rosário, ao ver onde tinham estacionado.

"Sim. Este lugar é um Angelus Domini, um local protegido por um anjo. Este lugar é o único lugar onde você pode se sentir segura. Agora, entre lá, e fique escondida na área mais profunda. Tem um porão embaixo dele. Se esconda lá."

"E você, onde vai?"

Ele suspirou. "Vou enfrentar aquele que quer te destruir."

"Natan?"

"Sim."

"Mas ele é só uma criança e..."

"Não, Rosário. Ele não é uma criança. O nome real dele é não é esse. Ele é um dos principais de Satan, por isso escolheu este nome, por ser parecido. Eu o estava procurando há meses, e quase não acreditei que você o havia adotado."

"E por que ele quer me destruir?"

Fernando olhou para ela. "Não temos tempo."

"Por que, Fernando? Responda!"

Ele suspirou. "Você é uma Grigori. Uma Sentinela da Alma."

"O que é isto?"

"Você não vai entrar aí se eu não a empurrar escada abaixo, não é?"

"Responda-me e eu entro logo depois."

"Sentinelas da Alma são seres especiais, nascidos de tempos em tempos no meio da humanidade com o gene muito parecido com o dos primeiros homens. São portais perfeitos entre os mundos. Se um demônio se apossar de você, ou um anjo, poderá controlar algumas forças espirituais que queremos deixar em seus devidos lugares."

Rosário não respondeu. Pensou se Fernando estava brincando, mas pelo seu rosto parecia falar sério.

"Anda. Não temos tempo, Natan está quase aqui."

Ela correu para o orfanato e abriu a porta com sua própria chave. Àquela hora, as crianças estariam dormindo, e as freiras também. Correu para onde sabia que havia um porão e chegou às escadas.

***



"Você não deve entrar aí".

A voz assustou Rosário, que se virou, deparando-se com uma freira.

"Oh, desculpe-me... eu... eu sou Rosário, eu trabalho aqui como voluntária e..."

"Eu sei quem você é."

A moça parecia uma desconhecida para Rosário, ela não lembrava dela. "Desculpe, é que estou me escondendo de alguém que está me perseguindo... mas pensando bem... tudo isso parece ser uma grande loucura! Eu devo estar louca!"

"Como soube desta porta para o porão?"

"Eu... não sei... na verdade foi meu namorado... ele disse que era para me proteger, único lugar seguro agora... alguma coisa sobre proteção do anjo... oh Deus estou tão confusa..."

A mulher arregalou os olhos e virou-se para a janela mais próxima. "Então é você!" ela falou, enquanto procurava algo lá fora, mas as ruas estavam desertas e a noite silenciosa.

"Como assim?"

"Você é a Grigori?"

"Você sabe sobre isso? Achei que fosse alguma brincadeira de mau gosto, mas todas aquelas facas e..."

"Silêncio!"

"Ele queria me matar! Eu estava com medo mas nunca pensei que ele fosse fazer isso!"

A freira puxou Rosário pelo braço para saírem dali e irem para um outro quarto. "É isso o que eles fazem. Se aproximam das Grigori e a seduzem, para que acreditem neles. Depois, as matam, para que não possam ser usadas por Deus e pelos anjos para fazerem Sua divina vontade."

"E agora? O que devo fazer?"

"Manter-se viva, mas não sei porque você pensou que poderia se manter viva lá embaixo."

"Ele disse que era o lugar mais seguro aqui."

A freira olhou para ela. "Lá embaixo não é seguro. E aquela porta não abre pelo lado de dentro. Você ficaria presa."

"Mas... ele me disse..."

A freira parou e segurou Rosário pelos ombros. "Quem exatamente lhe disse o quê?"

"Fernando... meu namorado, já disse... ele disse que foi designado para minha proteção e..."

"Corra!"

"O que foi?"

Mas as duas já estavam correndo para o topo do prédio onde funcionava o lar. "O que foi? Irmã?"

"Fernando não é quem diz ser. Ele não é o que parece."

"Parece que esta é a frase do dia!"

"Fernando é filho de Satan. Lúcio Fernando, Lucifer. Ele é quem quer te destruir. Ele te seduziu para que você acreditasse nele e se afastasse do seu real protetor."

"Mas... Natan..."

"Nataniel, o anjo que protege este lugar. Este lar é o Angelus Domini, casa do anjo. Ele é o dono disto aqui."

"Mas ele chegou aqui há pouco tempo..."

"Não, Rosário. Ele chegou aqui desde sempre. Mas apareceu como uma criança, para que você o adotasse e pudesse ser protegida. Ele viu que Fernando havia se aproximado de você e descoberto que você é o Grigori."

Então, como um filme, Rosário lembrou-se de todas as vezes que Fernando vinha buscá-la e nunca entrara no Lar. E também de como Natan olhava para um ponto atrás dela, naquela mesma noite, e como as facas voaram para lá. Lembrou-se de que Natan a puxou para baixo, para protegê-la das facas, que tinham um único endereço: Fernando, que vigiava na janela. E a outra faca não era para atingi-la, e sim a Fernando, que estava na porta da cozinha.

"Como fui burra!"

Elas corriam até chegar ao sótão.

"E agora? Estamos protegidas?"

"Ainda não. Você precisa abrir o portal."

"Eu?"

"Sim. Você é a Grigori, a Sentinela da Alma, e pode abrir o portal para libertar os anjos e proteger este lugar."

"Mas, se Fernando queria me destruir, por que me mandou justamente para cá?"

"Ele te mandou para o porão. Se abrisse o portal lá, libertaria um sem número de demônios, que destruiriam este Angelus Domini e teriam direito de matá-la, pois você seria a responsável. Natan queria protegê-la."

"Oh, Deus! Ele foi pegá-lo! Onde eles estão agora?"

Como uma resposta à sua pergunta, Rosário viu um vulto na janela e correu para olhar. E viu um anjo de asas brancas e armadura reluzente voando nos céus acima deles. Este anjo estava de costas para o lar, como se o protegesse, e lutava com outro anjo, de asas negras. Este último olhou diretamente para ela, e sorriu com um canto dos lábios que ela reconheceu imediatamente como seu namorado.

"Droga!"

"Ande, Rosário! Abra o portal!"

"Mas eu não sei fazer isso!"

"Sabe, Rosário. Procure em sua alma! Está dentro de você!"

Rosário, em desespero, fechou os olhos. Tentou enxergar a si mesma, mas estava difícil tamanho o estresse. Respirou fundo e ouviu quando alguém foi arremessado contra as paredes do prédio, próximo à janela onde estava. Não sabia se havia sido Natan ou Fernando, e tentou clarear as ideias. Então, algumas lembranças lhe vieram à mente.

Lembrou-se de quando era criança, e que sempre era querida pelos amigos da escola, pelos professores, pelas tias, parentes. Lembrou-se de que alguns animais se aproximavam dela, e como ela tinha jeito com eles. Todos pareciam querer ficar por perto. Lembrou-se certa vez de um cachorro na rua que se aproximou dela quando estava voltando para casa sozinha, e ele fez todo o trajeto com ela, até a porta de sua casa, e depois desapareceu, e ela nunca mais o viu. Lembrou-se quando conheceu Fernando, como alguns pássaros cantavam no dia, e alguns voaram em círculos no alto, sobre eles. Naquele dia, pensou que era algo romântico... mas e se fosse um aviso?

E então, ela soube como fazer. Não sabia exatamente como, mas suas mãos se ergueram, e um som saiu de seus lábios, uma melodia que pensava ter sido cantada por sua mãe na infância. Era uma língua estranha, mas ela lembrava das sílabas com perfeição. Descendo os braços em direção ao chão, formando um círculo, cruzou-os ao se tocarem. E abriu os olhos.

Um vento forte saiu de dentro do vórtice que ela acabara de abrir. E de lá, vários anjos alados, com armaduras parecidas com as de Natan saíram, em direção à janela.

"Venha minha filha. Aqui vai ficar muito perigoso."

A freira a puxou e começaram a descer as escadas em direção à ala dos alojamentos das crianças. "Esta é a ala mais especial e bem protegida."

"Ainda bem. Os anjos protegem bem estas crianças."

A freira sorriu. "Minha querida, as crianças são os anjos."

Enquanto isso, lá fora, uma batalha era travada, e Fernando não foi capaz de lutá-la sozinho. Estava com vários ferimentos, e embora houvessem tantos anjos, nenhum deles o atacou. Apenas Natan lutava com ele, e era visivelmente mais forte.

"Eu vou voltar para destruir este lugar, Natan!"

"Nós estaremos aqui!"

"A Grigori será destruída!"

"Ela está sob nossa proteção agora. Volte para as profundezas, de onde nunca deveria ter saído!"

Com um só golpe, a espada de Natan transpassou Fernando. Transformando-se em uma bola de fogo, girou em uma espiral, indo direto para o chão, desaparecendo em seguida.

Natan olhou para seus companheiros, uma milícia de anjos guerreiros. "Obrigado, meus irmãos, mas assumirei o Angelus Domini agora. Ele está protegido, e o portal inferior selado."

Os anjos acenaram, e voltaram pelo vórtice aberto no sótão, que se fechou em seguida. Natan voltou para o chão, e suas asas retraíram-se em suas costas. Concentrando-se, o ar em torno de si vibrou, e ele diminuiu de estatura, voltando a ser a criança amável de antes. Quando se virou para entrar, viu Rosário na porta, olhando para ele estupefata.

"Natan!"

O garoto sorriu. "Ainda posso chamá-la de mãe?"

"Eu não sei..." disse ela, ainda séria. "Não depois de vê-lo como um anjo guerreiro."

Ele correu em sua direção e parou alguns passos antes dela. Ela o olhou, e parecia o mesmo garoto com problemas de relacionamento de antes, e que a conquistara.

"Eu sempre soube, de algum jeito, que você era um anjo."

E os dois sorriram.



Conheça outros contos de apenas um capítulo, clicando AQUI.

Share this:

JOIN CONVERSATION

2 comentários:

  1. Adorei esse conto. Fascinante. Magnífico. Gostei ainda mais, por ter anjos na história.
    Seguindo seu blog♥ ^^

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Sandreanny! Obrigada pela presença, seja bem vinda ao blog!
      Abraços!

      Excluir