A Dríade do Mar - Capítulo Seis

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Mais dias intermináveis. Eu via a rotina do lugar. Vez por outra, um efidríade tinha folga. Passava o dia lá fora, no mar, nadando e nadando e nadando. Era uma necessidade que agora eu entendia. Thalassa havia dito que eles precisavam estar em contato com a água sempre. O fato de viverem sobre duas pernas se devia apenas ao poder da presença do Sangue Original entre eles. Havia três, apenas. Rainha Acidália, Princesa Thalassa, e um outro príncipe, que ainda não conhecia, e que deveria casar-se com Thalassa para procriar e manter o sangue original vivo, mantendo, assim, a magia que mantinha todos os efidríades vivos.

Aquilo era demais para minha cabeça de homem maduro. Um simples humano. Eu não podia sair, tinha que estar ali, trabalhando como um escravo. Ok, eu chegara a ser líder. A Rainha Acidália vira em mim o instinto para liderança que eu adquirira durante anos na Marinha dos Estados Unidos.

De que adiantava tudo isso? Se eu não podia amar a mulher por quem estava apaixonado!


Apaixonado... essa era uma palavra que eu não diria há alguns meses atrás. Sim, eu acho que já se passou mais de um ano desde que fui capturado no mar da América Central. E estava ali, a serviço das criaturas do mar.

"Distraído?"

Virei-me e vi a linda princesa rosada. "Thalassa, você voltou."

"Sempre irei voltar."

"Por que demora tanto? Esta cidade não é tão grande..."

Ela sorriu. "O nosso tempo não passa da mesma forma que o seu. Nós respeitamos o seu dia, mas o nosso dia tem cerca de quatro dias e meio do seu. Por isso eu acabo demorando. São muitas coisas para fazer."

"Quatro dias e meio? Nossa!"

Ela sentou-se e sentei-me ao lado dela. Era simples assim, ficarmos juntos e conversarmos. E, novamente, o timing era perfeito. Eu estava sozinho na "estufa" de algas. Será que seria a "noite" dos efidríades?

"Ele está vindo para cá."

"Ele quem?"

"O príncipe Ário. O último de sua linhagem. O último homem com Sangue puramente Original."

Engoli em seco. O príncipe viria.

"Ele virá para que oficializemos o casamento."

"Em... em quanto... em quanto tempo ele virá?"

"Em cinco dias efidríades."

"O que, para mim, significa..."

"Vinte e dois dias e meio."

"Céus!"

Menos de um mês ele estaria ali. O homem que levaria para sempre Thalassa de minha vida. Pior, ela estaria sempre presente em minha vida, viveria muito mais que eu, eu não tinha esperanças de voltar à terra. E eu sempre a veria. Esse seria o pior castigo!

Me levantei. "Thalassa."

"Sim?"

"Por que... por que vocês têm realmente que se casar? Por que não só procriam, algo assim..." era um absurdo saindo de minha boca, o que eu estava dizendo a uma princesa. Mas eu tinha que falar.

Fiquei esperando ela fazer algo bem ruim, mas ela continuou sentada, suspirando.

"Não posso. Eu poderia ser morta por negar a tradição. Vivemos há milênios, estávamos aqui antes dos humanos. E sempre foi dessa forma, jamais mudamos o nosso modo de pensar e agir. Eu não posso ir contra tudo isso. Eu morreria."

Seu rosto estava desolado. Em seguida, se iluminou.

"Bem, podemos aproveitar esses vinte e dois dias, por que não? Em seguida, seguirei minha sina. Mas não vou sofrer antes."

"Está certa, Thalassa." A tristeza não saía de minha voz.

"Vou nomeá-lo meu servo particular. Quero que esteja comigo durante todos os dias humanos. Para mim, passará bastante rápido, serão apenas cinco dias. Mas saberemos organizar o tempo!"

Eu sorri, como há muito já não fazia. Esperança. Talvez, ao fim dos vinte e dois dias, eu conseguisse convencer a todos que casar Thalassa com o príncipe Ário era um erro terrível.

"Esta noite será meu dia de sair da cidade. Gostaria de vir comigo?"

Nossa, era um convite maravilhoso!

"Thalassa, eu adoraria, mas não seria arriscado? Dois efidríades me trouxeram até aqui, e eu percebi que nadavam em círculos para que eu não soubesse onde fica este lugar. Talvez a rainha não concorde."

"Mas não vamos nadar o tempo todo. Vou nadar um pouco, depois, despistamos os meus seguranças e vamos para a superfície, dar uma volta. O que acha?"

Voltar a pisar em terra firme! Aquilo era tudo o que eu queria há tanto tempo, que eu já havia esquecido. Os meus sonhos voltaram, e agora, uma coisa estava tomando forma, uma pequena ideia que fora sufocada há muitos meses. Mas agora, começava a crescer dentro de mim.

"Seria ótimo, Thalassa."

"Então, combinado. Vou preparar tudo, avisar que você vai comigo. Está liberado desse trabalho, pode voltar para seus aposentos. Me aguarde, daqui a uma hora na sala. Acredito que saibas como saber as horas."

"Sim, sim."

Thalassa retirou-se, rapidamente. Agora, eu tinha duas coisas que não poderia perder, dois presentes, duas coisas antagônicas, que não poderia ter ao mesmo tempo. Eu teria que escolher entre a oportunidade de ficar com Thalassa durante vinte e dois dias, e a oportunidade de fugir ao chegarmos à superfície.

Então, comecei a traçar planos.


***

Sentir a água subindo na antecâmara era assustador. Eu e Thalassa, além de dois servos efidríades, estávamos ali, aguardando a água chegar ao topo. Vi quando as pernas deles deram lugar às suas caudas, e as minhas continuaram do mesmo jeito. Quando não havia mais ar ali dentro, a porta se abriu e saímos em mar aberto.

A velocidade era enorme, pois do contrário eu poderia morrer. Os dois efidríades olhavam torto quando Thalassa me supria de oxigênio, mas não havia alternativa. Os dois efidríades eram espécimes masculinos, e de jeito nenhum eu os deixaria me tocar.

Aos poucos, fomos nos distanciando da cidade. Percebi que Thalassa agora nadava ainda mais rápido, em direção a um grande banco de corais. Os efidríades estavam ficando para trás, mas eram duros e imbatíveis. Thalassa entrou no banco e, conhecendo o lugar, entrou por um túnel. Mergulhando ainda mais fundo no escuro, eu estava sufocando na claustrofobia, quando chegamos a um lugar inusitado.

Uma grande caverna submarina, que havia aprisionado ar, e não era de todo cheia de água. Havia uma parte em que havia ar para se respirar. Eu não conseguia enxergar, mas os olhos de Thalassa viam tudo.

"Fique aqui, não se mexa. Eu já volto."

E saiu. Eu fiquei sozinho, no escuro, tentando manter a calma e o sangue frio. Dois peixes luminosos entraram na caverna, que assumiu um leve tom esverdeado. Eles ficaram por ali, todo o tempo. Parecia que era proposital, para iluminar a caverna. Eu me senti menos claustrofóbico podendo enxergar. Foi quando notei alguns rabiscos nas paredes da caverna.

Eram marcas, desenhos feitos de ranhuras nas rochas cobertas de musgo. Uma parte da rocha havia sido limpa, não havia corais, conchas ou animais e plantas ali. Só desenhos. À volta, vários desenhos. Observei-os.

Havia uma sereia pequena, seguida por uma sereia de cabelos enormes e um golfinho. Depois, uma sereia adulta, com um tritão. Uma mulher com pernas tendo um bebê. Um halo envolvia o bebê. Em seguida, pessoas caminhando com pernas.

Thalassa chega.

"Pronto, podemos sair agora. Despistamos eles."

"Espere, Thalassa. O que são esses desenhos?"

Ela olhou para eles com carinho. "Minha mãe os fez."

"Sua mãe?"

"Ela era muito jovem. Ela desenhou pensando na história da linhagem real. Veja, aqui está uma jovem sereia. Ela é educada por sua mãe, pois tem uma missão a cumprir. Casar-se e dar à luz a um bebê, que manterá a magia viva, que permite que os Efidríades possam caminhar sobre as pernas."

"Um legado."

"Sim, um legado."

"E sua mãe já sentia o peso desse legado."

"Como assim?"

"Thalassa, da mesma forma que você, sua mãe também fugia para cá, quando tinha sua idade. Provavelmente, também fora obrigada a se casar para ter você. E então, ela faz com você o mesmo que a mãe dela fez com ela. Ela precisa criar você para esse legado, para manter a magia viva."

"Eu sei."

"Thalassa, sua mãe não está feliz em manter esse papel. Ela sabe o que você está passando. Ela sabe que você foge para cá. Você mesma sabe sobre os desenhos. Ela deve ter-lhe contado, fingindo não saber. Se você não foi encontrada nesse lugar, é porque sua mãe, a Rainha Acidália, não quer. Ela quer que você continue tendo esse momento de privacidade e paz."

"Paz. Sabe que eu sempre senti paz nesse lugar?"

"Bom, acho melhor irmos, estou ficando sem ar aqui."

"Vamos."

Thalassa me supriu de ar e mergulhamos novamente. Desta vez, saímos do outro lado, e lentamente, para acostumarmos, fomos subindo à superfície. Durante todo o trajeto, percebi, novamente, que nenhum tubarão ou ameaça apareceu por perto. Mais uma vez, mostra do perigo que um Efidríade representa. Até os animais marinhos o reconhecem.

Respirar ar puro foi delicioso. Pena que era noite e estava chovendo. O que significava que estávamos no meio de uma tempestade.

"Vamos."

Thalassa segurou minha mão e mergulhamos novamente, por baixo das águas revoltas, e me levou rapidamente para o continente. Subimos gradualmente, até chegarmos a uma praia deserta e sendo abatida pela chuva incessante.

Thalassa firmou-se em suas pernas. Eu olhei em volta. Não havia ninguém. Se eu quisesse fugir, teria de esperar mais. A dúvida voltou. Fugiria ou ficaria com Thalassa? E se ela aceitasse ficar comigo em terra firme? O que seria dela? O que seria da magia sem o sangue real? Não só sua família e seu povo morreriam, como ela também morreria.

Deixá-la ir e ficar sozinho? Ou voltar com ela para o reino dos Efidríades?

Os cabelos róseos estavam ensopados, e pareciam mais escuros do que realmente eram. E ela estava nua e linda ao luar, apesar da chuva torrencial.

"Vamos, precisamos procurar um lugar para ficar e nos aquecer."

"Me desculpe, Charles. Eu não previ que era noite, muito menos que estava chovendo. Me desculpe."

"Não se preocupe, Thalassa. Não tinha como saber, lá no fundo do mar."

Ela sorriu amarga. "Tinha sim. Nós sempre sabemos o que esta acontecendo na superfície, o clima, e tudo o mais. Mas eu tenho estado tão absorta em pensamentos que não consegui me concentrar o suficiente. Não vi que era noite em dias humanos. Desculpe por isso. Você... quer voltar?"

"Não!" Eu fui veemente demais? "Quer dizer... faz tanto tempo que estou lá que... que estava com saudades daqui. Não se preocupe. Venha."

Meu treinamento de sobrevivência em casos extremos de emergência como Capitão da Marinha veio a calhar naquele momento. Fiz um arranjo rápido preparando uma pequena cabana e uma fogueira. Mas a chuva não demorou muito. Logo o céu ficou limpo, estrelado e com uma linda lua no céu.

"Eu já tinha me esquecido a sensação..." disse Thalassa.

"Sensação de que?"

"De ficar assim, à deriva, ao luar, vendo a noite passar."

"Você costumava vir ao continente?"

Ela sorriu, musical. "Sim. Todos nós fazíamos isso com frequência. Mas então... os humanos começaram a perceber que éramos diferentes em várias coisas. Então, começaram a nos caçar, e tivemos que nos esconder. Somos em menor número hoje."

"Eu sei, a rainha sua mãe falou-me a respeito em algum momento."

"Foram dias de terror."

"Imagino. Mas, não vamos falar de coisas tão ruins. Como está sendo o primeiro dia em minha presença, sua Alteza?"

Thalassa riu. "Um dia que me custará algumas noites de sono suas. Mas está sendo ótimo."

"Eu posso ficar sem uma noite ou duas, desde que esteja bem ocupado."

Thalassa riu de novo, e fiquei impressionado com a hipnose que seu sorriso causava. Era ainda mais evidente aqui, na superfície, em terra seca. Era quase uma arma, um chamariz para uma presa desavisada. Eles comem, ou comiam, humanos, Acidália me disse uma vez. Aquilo me dava calafrios.

De repente, comecei a olhar para Thalassa, com um medo que nunca tinha sentido antes. Thalassa era perigosa e linda. E eu tinha que tomar cuidado.

Muito cuidado.


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